terça-feira, 30 de novembro de 2010

preencha de tinta vermelha.

Não sabia por que ele estava ali, não sabia por que o havia reencontrado. Estava muito acostumada a não saber de nada que envolvesse os dois, então apenas sorriu aquele sorriso que sorria em todo reencontro, sendo este demorado ou não.

Esse era um dos demorados.

- Olá. – ele sorriu encabulado, mas isso não foi notado.

Não seria algo esperado também, o que o faria se envergonhar na frente dela?

- Tenho pensado em você direto desde ontem à noite. – Ela continuou sorrindo.

Se sentia vergonha? Nada perto disso. Havia algo nele que repelia esse sentimento, quando ela se dava conta, já havia dito tudo.

- Só desde ontem à noite? – ele brincou, mas uma certa tristeza pintou sua voz.

O que também não foi percebido por ela.

- Eu estava empacotando umas coisas velhas, pra mandar pra casa dos meus pais, um vizinho estava me ajudando e...

- Vizinho?

O que era aquilo? Ciúmes? Ela não se importou.

- É, um amigo. E ele achou uma agenda, daqueles anos, sabe?

Um sorriso terno foi dado em resposta. É claro que ele lembrava.

Então ela continuou a contar.


“O que é isso?”, seu vizinho perguntou de onde estava, no escritório.
“Uma agenda.”, ela respondeu da sala.
“Não, mesmo?!”
“Daqui parece, pelo menos.”
Ele se aproximou e apontou algo na agenda. “Sua tonta, eu estava me referindo a isso.” Ela franziu o cenho procurando o que ele apontava, e achou um coração feito com caneta de tinta vermelha.
Sempre a mesma caneta, sempre o mesmo coração.
“Ah...”, memórias saltaram aos seus olhos enquanto seu coração começava aquele ritmo acelerado característico daqueles dias...

-x-

“O que é isso?”, ele perguntou sentado em sua cama, com a agenda do ano em mãos.
“Ah!” ela tropeçou em algo que estava no chão e bateu no batente da porta do banheiro de seu quarto.
“O que houve, garota?” ele riu surpreso.
“N-nada, nada.” Sua face corou enquanto o coração bombeava seu sangue mais rápido.
“Então, o que significam esses corações nessas datas? Eu fiquei curioso.” Ele sorriu de lado, como sempre fazia quando queria deixá-la desconcertada. Despropositalmente, é claro.
“São... são apenas corações. Eu... eu gosto de corações. V-você não?”, seu corpo inteiro tremia, um receio.
“Haha, gosto sim. É só que... deve ser só coincidência, mas pelo que me recordo, todas as datas em que nos vemos estão com esse coração...”
O receio durou menos que um piscar de olhos. Ela sorriu.
“Tem uma data que não.”
“Ah...”
“Tem uma data que só eu te vi, você não me viu. Então não ‘nos vemos’ nesse dia.”
Ele sorriu e o sorriso dela aumentou.
“Isso é tão... tão... Bonitinho!”
“Não me zoa, vai.”, ela fechou a cara pra ele.
“Hahaha sua linda!”, apertou sua bochecha e beijou-a na testa. “Você não existe, sabia?”

-x-

Eles estavam tão próximos, tão sozinhos naquela laje, onde só o pôr-do-sol podia testemunhar aquele momento.
“Você vai me beijar agora?”
“Você vai continuar marcando com corações em vermelho os dias em que nos encontramos se eu fizer isso?”
Seu grande medo sempre fora perder o carinho que a garota tinha por ele, era não poder visitá-la e sentir toda a felicidade em estar ao seu lado, ao vê-la esbanjar todo a fofura que tinha.
“Se você não parar de aparecer, eu sempre vou colocá-los.”, ela sorriu.
“Sempre não. Só quando me ver.”
E abandonando o sorriso, acariciou o rosto dela, que fechou os olhos sem conseguir se conter.
Seus lábios, unidos, foi a única coisa simples de se entender de todas as outras que envolviam os dois. E provavelmente o que explicava todas elas.

-x-

“Então, o que é?”, o vizinho a tirou de seus devaneios felizes.
“Um coração!”
“Oh...! Mas não é só nessa página, tem em outras...”
“E você se deu o direito de fuçar minhas agendas, é?”, ela o repreendeu num tom brincalhão.
“Haha, foi sem querer, ela caiu e...”
“Tudo bem, eu costumava fazer esse coração em dias excepcionalmente felizes. É isso.”
Houve uma pausa enquanto o vizinho processava a informação.


- Ele disse “Puxa, você não teve muitos dias felizes nesse ano.”

Ela não o estava repreendendo, nunca o faria. Nunca desejara prendê-lo em uma gaiola, queria que ele estivesse ali porque queria estar. Não gostava de gaiolas.

- Ah...

Foi o mesmo “ah” desapontado de sempre, ela sorriu.

- Eu disse... “Quantidade não é qualidade.”

Ele a encarou nos olhos, firmemente.

- Não concorda?

Não havia palavras que pudessem dizer o quanto ele concordava. Era por cada segundo desses dias que ele estava ali agora.

- Ora, foram os melhores dias.

Ele pegou sua mão direita, e voltou a fixar seus olhos nos dela.

- Eu vim aqui pra algo, algo muito importante. Não é só um acaso, ou uma visita.

- D-diga. Mas sem me assustar assim. – ela tentou rir.

Ele se aproximou, ficando o máximo que podia ficar perto dela sem encostar-se a seu corpo.

- Você vai fazer um coração vermelho na sua agenda hoje?

Ela fechou os olhos, sorrindo.

- É claro que vou, dias inteiros não me fazem tão felizes quanto esses minutos que se passaram com você.

- Então... – ele aproximou a boca de sua orelha, para sussurrar. – Quer fazer esses corações todos os dias, pro resto da sua vida, a partir de hoje?





© rooxynroll.

Nenhum comentário:

Postar um comentário